Nos anos recentes, tanto no Brasil quanto em outros contextos, verifica-se, entre igrejas e líderes no meio evangélico/protestante, um crescente movimento em busca de um outro Deus. Um Deus que seja bem diferente daquele que a "fria ortodoxia cristã" tem apresentado, desde os primeiros concílios ecumênicos e passando pelas confissões reformadas. Na estima de alguns teólogos contemporâneos, a teologia cristã ortodoxa e reformada não tem a devida compaixão. O "outro" Deus que ela tem confessado não lhes é simpático, e parece-lhes desprovido de entranhas. E, de fato, lá no fundo, também os cristãos que têm confessado este tipo de teologia carecem de melhor coração, pois não há como separar, nesse caso, o confessor de sua confissão.
Deve ser dito que não se trata apenas de que os teístas revisores tenham suas dúvidas e inquietações. Quem não as tem? Trata-se de muito mais do que experimentar algum tipo de conflito interior, ou de ter a mente inquieta pululando e fervendo com muitas indagações, divagações e elucubrações. Não se trata apenas de estar em luta pessoal com algum postulado escolástico ou dogmático. O que já temos diante de nós não é o registro recluído de um diário, ou algo equivalente a vôos inquietos de solitárias aves de arribação. Nem mesmo se trata de crises dos corredores seminariais, ou discussões reservadas de monges-teólogos na torre de marfim. Trata-se, sim, de que tais revisores estão rejeitando as antigas certezas e, de forma pública e determinada, substituindo-as por suas novas definições. Há muito que já não estamos meramente no terreno das perguntas; estamos, na realidade, ouvindo a decidida proposição de novas respostas, que são reiteradamente defendidas aqui e ali. E, buscando companhia, a estão encontrando. Portanto, nada há de misantrópico nesse atual exercício a que temos assistido.
E aqueles que fazem a defesa da "fria e ortodoxa" posição cristã? Alguns dentre estes têm sido desdenhosamente chamados de "guardiões da fé", "patrulheiros implacáveis", "desafetos enfurecidos", "caçadores de bruxas", "proponentes de rótulos", "escriturários do Índex", e "inquisidores do Tribunal do Santo Ofício". Além disso, já têm sido adjetivados de tacanhos, unilaterais, de não gostarem de poesia e nem apreciarem a arte, e de flutuarem em sua arca-de-noé, alheios e insensíveis à cultura ao redor e aos clamores de sua geração. São tidos como desencarnados e desnacionalizados, encontrando-se entorpecidos pela falta de criatividade, e a repetir, ad nauseam, "verdades das teologias sistemáticas". Seus dutos estariam entupidos e suas vias aéreas sem oxigênio.
Uma característica de nossa geração tem sido a mania de inovar a qualquer preço e sistematicamente discordar dos pensadores que antecederam o nosso tempo "iluminado", em alguns casos somente pelo temor de nada dizer de novo. Essa é uma atitude muito freqüente entre os teólogos, do século XIX até os dias de hoje. É claro que isso não significa que o labor teológico se deva esclerosar em repetições, nem que sua tarefa esteja encerrada. Essa não é uma realidade esgotável, e cada um de nós deve resolver, por si só, cada problema, cada dilema, em nossa própria linguagem, em sua tentativa, incessantemente renovada, de conhecer a Deus e de explicar o homem e o mundo. Essa é uma tarefa que cada geração e cada pessoa têm de realizar. Certamente, situações e contextos específicos podem exigir que antigas questões sejam reexaminadas completamente. E, como escreveu o filósofo Henri Gouhier (1898-1994), "se velhas soluções são boas, encontrar-se-ão de novo necessariamente, mas numa linguagem que não parecerá nem morta nem estrangeira".
Fato é, porém, que teólogos, filósofos e pensadores ferozmente individualistas, do tipo hoje transitoriamente representado pelos existencialistas, têm investido contra a teologia cristã ortodoxa, acusando-a de dogmatismo e rigidez. Esta, contudo, não teme as investidas daqueles e não se opõe a uma respeitosa confrontação, tanto mais largas são suas vistas quanto mais firmes suas bases. Feita uma consideração profunda e honesta da teologia cristã ortodoxa, poderemos ser ajudados, por nossos irmãos do passado, a ver com os nossos próprios olhos - depois do que ela nunca mais nos parecerá fria e inerte. Deveríamos nos aproximar dela com o respeito e a grata consciência de que devemos grandemente a ela a visão de mundo que nos permite, inclusive, a liberdade de até mesmo questioná-la. E plagiando Ariano Suassuna quando fala da Filosofia -"seria, de nossa parte, uma covardia muito grande abandoná-la, com o que ela tem de majestoso, de impotente e de desesperado também, de ardente, de vigoroso, de sólido, de amor pelo mundo, pela vida e pelo homem, abandoná-la somente por medo ou por um estéril espírito de novidade".
Talvez você se indague sobre ter ou não alguma responsabilidade quanto a isto. "Isto é algo para os teólogos, e não me diz respeito!". Você pode preferir a confortável posição de evitar refletir sobre o assunto. Essa é uma opção, sem dúvida. Mas saiba de antemão o seguinte: não existe maneira de escapar à Teologia. A questão é somente saber se a Teologia será consciente ou não, se será verdadeira ou falsa, se será boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a Teologia professa também uma teologia, ainda que não seja consciente dela. Portanto, ignorando ou combatendo, é da teologia que nos valemos para ignorar ou combater a Teologia.
Em afoitas e prejulgadas rejeições à fé cristã ortodoxa e reformada, alguns autores contemporâneos vêm, claramente, preferindo endossar uma teologia heterodoxa, oferecendo lastimáveis exemplos de equívocos exegéticos e históricos. E mais: incorrendo em inoportunas simplificações e generalizações, e desenhando caricaturas e rotulações, isto é, justamente aquilo de que se dizem vítimas. E quando isto parte de autores de largo currículo e que, ao longo dos anos, adquiriram grande respeitabilidade, isso se revela profundamente lamentável. O efeito é tanto mais danoso quanto mais se verifica a tendência de muitos de, simplória e emocionalmente, incorrerem naquilo que a filosofia denomina de "falácia genética", estabelecendo a origem, e não a correspondência, como o teste e o critério da verdade.
Nessas novas revisões que estão sendo propostas, o epicentro de todo o movimento é encontrado na compreensão que seus autores têm de Deus e do homem. E o leitor mais atento poderá perceber que, na realidade, é a visão que alguns autores têm do homem que molda, em grande medida, sua visão de Deus. Poderíamos dizer que, até certo ponto, e sob alguns aspectos, seu Deus foi criado à imagem e semelhança do homem. Minha intenção aqui, portanto, é dedicar, brevemente, alguma atenção à Teologia e, neste caso, estou me referindo particularmente ao conceito que fazemos de Deus. Nesse mister, contudo, também não escaparei ao "infortúnio" de seguir a nossa "malfadada tradição de citar teólogos sistemáticos" - a intenção aqui, aliás, é justamente essa, e o farei na maior parte do tempo, sem nenhuma pretensão de originalidade e muito menos de agir intuitivamente.
A idéia central de qualquer religião é a idéia de Deus. O caráter de qualquer religião é determinado mais por seu conceito de Deus do que por qualquer outro conceito. E, como bem salienta J. I. Packer (n. 1926), em sua respeitável obra O Conhecimento de Deus, a ignorância de Deus é a raiz da fraqueza da igreja contemporânea. Devemos adorar a Deus, servir a Deus e confiar em Deus, mas o Deus revelado em toda a sua majestade e glória. "Grande é o SENHOR, e muito digno de louvor, e a sua grandeza inescrutável" (Sl 145.3). E o apóstolo Paulo relembra-nos que quando os homens mudam a verdade de Deus que lhes é manifesta, substituindo-a por uma concepção rebaixada do caráter divino, perdem o sentido da diferença fundamental entre o Criador e a criatura; sujeitam-se então ao pecado cardinal da idolatria e dão à criatura a adoração que deveria ser dada unicamente ao Criador (Rm 1.19-32; cf. ainda Sl 106.20). E quando o homem degrada a Deus, também degrada a si mesmo (Rm 1.28).
A. W. Tozer (1897-1963), acertadamente, declarou:
Deve ser dito que não se trata apenas de que os teístas revisores tenham suas dúvidas e inquietações. Quem não as tem? Trata-se de muito mais do que experimentar algum tipo de conflito interior, ou de ter a mente inquieta pululando e fervendo com muitas indagações, divagações e elucubrações. Não se trata apenas de estar em luta pessoal com algum postulado escolástico ou dogmático. O que já temos diante de nós não é o registro recluído de um diário, ou algo equivalente a vôos inquietos de solitárias aves de arribação. Nem mesmo se trata de crises dos corredores seminariais, ou discussões reservadas de monges-teólogos na torre de marfim. Trata-se, sim, de que tais revisores estão rejeitando as antigas certezas e, de forma pública e determinada, substituindo-as por suas novas definições. Há muito que já não estamos meramente no terreno das perguntas; estamos, na realidade, ouvindo a decidida proposição de novas respostas, que são reiteradamente defendidas aqui e ali. E, buscando companhia, a estão encontrando. Portanto, nada há de misantrópico nesse atual exercício a que temos assistido.
E aqueles que fazem a defesa da "fria e ortodoxa" posição cristã? Alguns dentre estes têm sido desdenhosamente chamados de "guardiões da fé", "patrulheiros implacáveis", "desafetos enfurecidos", "caçadores de bruxas", "proponentes de rótulos", "escriturários do Índex", e "inquisidores do Tribunal do Santo Ofício". Além disso, já têm sido adjetivados de tacanhos, unilaterais, de não gostarem de poesia e nem apreciarem a arte, e de flutuarem em sua arca-de-noé, alheios e insensíveis à cultura ao redor e aos clamores de sua geração. São tidos como desencarnados e desnacionalizados, encontrando-se entorpecidos pela falta de criatividade, e a repetir, ad nauseam, "verdades das teologias sistemáticas". Seus dutos estariam entupidos e suas vias aéreas sem oxigênio.
Uma característica de nossa geração tem sido a mania de inovar a qualquer preço e sistematicamente discordar dos pensadores que antecederam o nosso tempo "iluminado", em alguns casos somente pelo temor de nada dizer de novo. Essa é uma atitude muito freqüente entre os teólogos, do século XIX até os dias de hoje. É claro que isso não significa que o labor teológico se deva esclerosar em repetições, nem que sua tarefa esteja encerrada. Essa não é uma realidade esgotável, e cada um de nós deve resolver, por si só, cada problema, cada dilema, em nossa própria linguagem, em sua tentativa, incessantemente renovada, de conhecer a Deus e de explicar o homem e o mundo. Essa é uma tarefa que cada geração e cada pessoa têm de realizar. Certamente, situações e contextos específicos podem exigir que antigas questões sejam reexaminadas completamente. E, como escreveu o filósofo Henri Gouhier (1898-1994), "se velhas soluções são boas, encontrar-se-ão de novo necessariamente, mas numa linguagem que não parecerá nem morta nem estrangeira".
Fato é, porém, que teólogos, filósofos e pensadores ferozmente individualistas, do tipo hoje transitoriamente representado pelos existencialistas, têm investido contra a teologia cristã ortodoxa, acusando-a de dogmatismo e rigidez. Esta, contudo, não teme as investidas daqueles e não se opõe a uma respeitosa confrontação, tanto mais largas são suas vistas quanto mais firmes suas bases. Feita uma consideração profunda e honesta da teologia cristã ortodoxa, poderemos ser ajudados, por nossos irmãos do passado, a ver com os nossos próprios olhos - depois do que ela nunca mais nos parecerá fria e inerte. Deveríamos nos aproximar dela com o respeito e a grata consciência de que devemos grandemente a ela a visão de mundo que nos permite, inclusive, a liberdade de até mesmo questioná-la. E plagiando Ariano Suassuna quando fala da Filosofia -"seria, de nossa parte, uma covardia muito grande abandoná-la, com o que ela tem de majestoso, de impotente e de desesperado também, de ardente, de vigoroso, de sólido, de amor pelo mundo, pela vida e pelo homem, abandoná-la somente por medo ou por um estéril espírito de novidade".
Talvez você se indague sobre ter ou não alguma responsabilidade quanto a isto. "Isto é algo para os teólogos, e não me diz respeito!". Você pode preferir a confortável posição de evitar refletir sobre o assunto. Essa é uma opção, sem dúvida. Mas saiba de antemão o seguinte: não existe maneira de escapar à Teologia. A questão é somente saber se a Teologia será consciente ou não, se será verdadeira ou falsa, se será boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a Teologia professa também uma teologia, ainda que não seja consciente dela. Portanto, ignorando ou combatendo, é da teologia que nos valemos para ignorar ou combater a Teologia.
Em afoitas e prejulgadas rejeições à fé cristã ortodoxa e reformada, alguns autores contemporâneos vêm, claramente, preferindo endossar uma teologia heterodoxa, oferecendo lastimáveis exemplos de equívocos exegéticos e históricos. E mais: incorrendo em inoportunas simplificações e generalizações, e desenhando caricaturas e rotulações, isto é, justamente aquilo de que se dizem vítimas. E quando isto parte de autores de largo currículo e que, ao longo dos anos, adquiriram grande respeitabilidade, isso se revela profundamente lamentável. O efeito é tanto mais danoso quanto mais se verifica a tendência de muitos de, simplória e emocionalmente, incorrerem naquilo que a filosofia denomina de "falácia genética", estabelecendo a origem, e não a correspondência, como o teste e o critério da verdade.
Nessas novas revisões que estão sendo propostas, o epicentro de todo o movimento é encontrado na compreensão que seus autores têm de Deus e do homem. E o leitor mais atento poderá perceber que, na realidade, é a visão que alguns autores têm do homem que molda, em grande medida, sua visão de Deus. Poderíamos dizer que, até certo ponto, e sob alguns aspectos, seu Deus foi criado à imagem e semelhança do homem. Minha intenção aqui, portanto, é dedicar, brevemente, alguma atenção à Teologia e, neste caso, estou me referindo particularmente ao conceito que fazemos de Deus. Nesse mister, contudo, também não escaparei ao "infortúnio" de seguir a nossa "malfadada tradição de citar teólogos sistemáticos" - a intenção aqui, aliás, é justamente essa, e o farei na maior parte do tempo, sem nenhuma pretensão de originalidade e muito menos de agir intuitivamente.
A idéia central de qualquer religião é a idéia de Deus. O caráter de qualquer religião é determinado mais por seu conceito de Deus do que por qualquer outro conceito. E, como bem salienta J. I. Packer (n. 1926), em sua respeitável obra O Conhecimento de Deus, a ignorância de Deus é a raiz da fraqueza da igreja contemporânea. Devemos adorar a Deus, servir a Deus e confiar em Deus, mas o Deus revelado em toda a sua majestade e glória. "Grande é o SENHOR, e muito digno de louvor, e a sua grandeza inescrutável" (Sl 145.3). E o apóstolo Paulo relembra-nos que quando os homens mudam a verdade de Deus que lhes é manifesta, substituindo-a por uma concepção rebaixada do caráter divino, perdem o sentido da diferença fundamental entre o Criador e a criatura; sujeitam-se então ao pecado cardinal da idolatria e dão à criatura a adoração que deveria ser dada unicamente ao Criador (Rm 1.19-32; cf. ainda Sl 106.20). E quando o homem degrada a Deus, também degrada a si mesmo (Rm 1.28).
A. W. Tozer (1897-1963), acertadamente, declarou:
A história da humanidade provavelmente mostrará que nenhum povo foi maior do que a religião que adotou, e a história espiritual do homem demonstrará de forma positiva que religião alguma elevou-se acima do seu conceito de Deus. A adoração é pura ou vil conforme os pensamentos elevados ou inferiores que o adorador alimenta em relação a Deus.
Portanto, é muito importante termos noção verdadeira sobre quem é Deus; um conceito correto neste ponto é vital e básico para a vida cristã na prática. No que se refere ao nosso culto, esse conceito tem o mesmo significado que o alicerce tem para um edifício. Onde os alicerces tiverem sido feitos de forma inadequada, ou estiverem fora do prumo, toda a estrutura ficará prejudicada e, mais cedo ou mais tarde, desabará. Quando se tem uma idéia errônea ou imperfeita sobre Deus, a conseqüência é cair num erro de doutrina ou falhar na ética ou conduta cristã. As noções erradas sobre Deus logo corrompem a religião na qual se introduzem. Podemos ver isto muito claramente demonstrado na longa carreira de Israel, e na história da igreja também. Um conceito elevado de Deus é tão necessário para a igreja que, quando de alguma forma esse conceito declina, a igreja, seu culto e os seus padrões morais declinam com ele. O primeiro passo da igreja em direção à decadência é quando ela compromete sua elevada opinião de Deus. Nos dias atuais, poucas pessoas ou igrejas têm o senso da majestade e sublimidade do glorioso Deus das Escrituras. Muitos grupos religiosos, mesmo dentro do cristianismo moderno, não estão produzindo pessoas tementes a Deus. Assim, nós estaremos prestando uma grande contribuição aos nossos filhos e às futuras gerações se legarmos a eles um nobre conceito de Deus. O conceito verdadeiro e elevado que podemos obter, sobretudo, nas Escrituras Sagradas, e na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
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