terça-feira, 29 de março de 2011

Diretrizes para a Mortificação


Use a fé em Cristo para matar o seu pecado. O sangue de Cristo é o grande e supremo remédio para almas enfermadas pelo pecado. Viva nisso e, assim, você morrerá vencedor; sim, pela boa providência de Deus, você verá a sua concupiscência morta aos seus pés.

Mas você perguntará: “Como a fé em Cristo pode agir para atingir esse propósito e objetivo?” Eu respondo de várias maneiras:

(1) Pela fé, encha a sua alma com a devida consideração da provisão que há em Jesus Cristo para cumprir esse propósito e objetivo, a fim de que todas as suas concupiscências sejam mortificadas, as concupiscências com as quais você está enredado. Pela fé, pondere isto: embora você não seja, de modo algum, capaz de obter a vitória sobre o seu pecado, estando já fatigado de lutar e pronto a desistir, em Cristo há o suficiente para lhe dar livramento (Fp 4.13)... Em sua maior angústia e aflição, pense na plenitude de graça, nas riquezas, nos tesouros de força, poder e ajuda que estão em Cristo para ampará-lo (Jo 1.16; Cl 1.19). Permita que essas verdades encham sua mente e permaneçam ali. Considere o fato de que Cristo foi exaltado e feito Príncipe e Salvador para dar arrependimento a Israel (At 5.31); e, se ele foi exaltado para dar arrependimento, isso significa dar também a mortificação, sem a qual o arrependimento não tem razão de ser. Cristo nos diz que obtemos a graça purificadora por permanecermos nele (Jo 15.3).

Exercer a fé na plenitude de Cristo, ou seja, em Cristo, para o nosso suprimento é uma maneira valiosa de permanecer em Cristo, pois tanto o nosso enxerto como a nossa permanência acontecem pela fé (Rm 11.19-20). A sua alma deve, então, pela fé ser exercitada em pensamentos e compreensões como estes: “Sou pobre e fraco, instável como a água. Não posso melhorar. Esta corrupção é muito forte para mim e está prestes a arruinar minha alma. Não sei o que fazer. Minha alma está se tornando um solo ressecado e uma habitação de dragões. Tenho feito promessas, mas deixei de cumpri-las; votos e juramentos me têm sido como nada. Já tive muitas convicções de que eu obtivera a vitória e seria livrado, mas estava enganado. Vejo claramente que, sem socorro e ajuda eminente, estou perdido e serei induzido a um completo abandono de Deus. No entanto, ainda que este seja o meu estado e condição, restabeleçam-se as mãos descaídas e fortaleçam-se os joelhos trôpegos. Vejam, o Senhor Jesus Cristo, que possui toda a plenitude de graça em seu coração, toda a plenitude de poder em suas mãos, é capaz de aniquilar todos esses seus inimigos. Nele há provisão suficiente para meu livramento e necessidade. Ele pode tomar a minha alma prostrada e desfalecida e tornar-me mais do que vencedor... Pode transformar meu solo árido e ressecado em lagos e meu coração sedento e estéril, em fontes de água. Sim, Cristo pode fazer desta habitação de dragões, este coração, tão cheio de concupiscências abomináveis e tentações ferozes, um lugar de ervas e frutos para ele mesmo (Is 35.7)”.

Deus sustentou Paulo em suas tentações com a consideração da suficiência da graça divina: “A minha graça te basta” (2 Co 12.9)... Digo, então, pela fé considere bastante o suprimento e a plenitude de suprimento que há em Jesus Cristo e como ele pode dar-lhe, em qualquer momento, força e livramento...

(2) Pela fé, erga seu coração a uma expectativa de livramento da parte de Cristo. Tal livramento é, nesse caso, semelhante à visão do profeta: “Porque a visão ainda está para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim e não falhará; se tardar, espera-o, porque, certamente, virá, não tardará” (Hc 2.3). Embora lhe pareça distante, enquanto você está sob o peso de aflição e perplexidade, o livramento virá certamente no tempo designado do Senhor Jesus, que é a melhor ocasião. Se você erguer seu coração a uma firme expectativa de livramento da parte de Cristo... sua alma ficará satisfeita. Sem dúvida alguma, ele o livrará. Destruirá a concupiscência, e, por fim, você gozará paz. Olhe somente para o livramento que há em Cristo. Espere quando e como Ele o realizará. “Se o não crerdes, certamente, não permanecereis” (Is 7.9)... Todas as nossas expectativas quanto a esse propósito não devem estar em Cristo? Fixe isto em seu coração: se você não obtiver livramento da parte de Cristo, jamais o obterá. Todas as atitudes, esforços, lutas que não são motivadas pela expectativa de livramento da parte de Cristo, somente de Cristo, são inúteis e não lhe farão bem algum... Para que você se engaje nessa expectativa:

(1) Considere a misericórdia, a ternura e a bondade daquele que é nosso grande Sumo Sacerdote, que está à direita de Deus. Ele se compadece de você em sua aflição. Ele disse: “Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu vos consolarei” (Is 66.13). Ele possui a ternura de uma mãe para com um filho que mama. “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb 2.17-18). Em face dos seus sofrimentos, qual é a capacidade de Cristo tencionada para nós? “Naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso”... Ele é poderoso, havendo sofrido e sido tentado, para destruir todas as persuasões contrárias e livrar as almas aflitas e tentadas. “Ele... é poderoso para socorrer”. Havendo sido tentado, ele pode ajudar-nos.

Considere também Hebreus 4.15-16: “Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna”. A exortação no versículo 16 tem o mesmo sentido do que estou sugerindo, ou seja, que alimentemos expectativas de livramento da parte de Cristo, que o apóstolo chama de “graça para socorro em ocasião oportuna”. “Se o socorro é sempre oportuno”, diz a alma, “ele é apropriado à minha situação presente. Isto é exatamente o que anseio – graça para socorro em ocasião oportuna. Estou quase para morrer, a perecer, a perder-me para sempre. A iniqüidade prevalecerá conta mim, se eu não tiver ajuda”. O apóstolo disse: “Espere esta ajuda, este livramento, esta graça da parte de Cristo!” Sim, mas com base no quê? Aquilo que ele afirma no versículo 15... Eu digo francamente: este assunto de firmar a alma pela fé na expectativa de livramento da parte de Cristo, com base em sua misericórdia como nosso Sumo Sacerdote, será mais proveitoso à ruína e ao pecado de sua alma e terá um efeito melhor e mais imediato do que todos os meios mais rígidos de penitência em que se engajou qualquer dos filhos dos homens. Sim, permita-me dizer também isto: nunca uma alma que chegou pela fé à expectativa de livramento em Cristo Jesus pereceu devido ao poder das concupiscências, do pecado ou da corrupção.

(2) Considere a fidelidade daquele que prometeu: ele o erguerá e o confirmará neste esperar com expectativa de livramento. Ele prometeu livrar nesses casos e cumprirá cabalmente a sua palavra. Deus nos diz que sua aliança conosco é como as “leis fixas” do céu – o sol, a luz e as estrelas – que têm seu curso certo (Jr 31.36). Por isso, Davi exclamou que aguardava o livramento de Deus como alguém que vigia pelo romper da manhã (Sl 130.6) – algo que certamente acontecerá no tempo designado. Assim será o seu livramento da parte de Cristo. Virá no seu tempo, como o orvalho e a chuva que caem sobre a terra ressecada; pois fiel é aquele que prometeu.. Quem espera algo dos homens aplica-se a maneiras e meios pelos quais pode obtê-lo. O mendigo que espera uma esmola se coloca à porta ou no caminho de quem ele espera recebê-la. A maneira e o meio pelos quais Cristo transmite a si mesmo são as ordenanças regulares. Aquele que espera receber algo de Cristo precisa encontrá-lo nas ordenanças. É a expectativa da fé que faz o coração agir. Não estou falando sobre uma esperança ociosa e infundada. Se há virtude, eficácia e poder na oração ou nas ordenanças para atingir o objetivo de mortificar o pecado, devemos nos interessar em tudo isso por meio da expectativa de livramento da parte de Cristo... Que pessoa tem andando com Deus, em meio a tentações, e não tem achado utilidade e eficácia nesses meios? Ouso levar a alma ao desfrute dessas coisas, sem acrescentar nada mais. Preciso mencionar somente algumas particularidades a respeito desse assunto:

Primeiro, exerça fé especialmente na morte, no sangue e na cruz de Cristo, ou seja, no Cristo crucificado e morto. A mortificação do pecado se dá, peculiarmente, com base na morte de Cristo. A mortificação do pecado é um dos objetivos específicos, sim, eminentes, da morte de Cristo, um objetivo que será realizado por ela. Cristo morreu para destruir as obras do Diabo. Tudo que veio à nossa natureza como resultado da primeira tentação, tudo que obtém força em nossa pessoa pelas sugestões diárias do pecado, Cristo morreu para destruir tudo isso. “O qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Esse era seu alvo e intento – no qual ele não falhará – ao dar-se a si mesmo por nós. O desígnio de Cristo era que fôssemos livres do poder de nossos pecados e purificados de todas as nossas paixões corruptoras. “Como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.25-27). E isso, por virtude de sua morte, será realizado em vários e diferentes graus. Portanto, nosso lavar, limpar e purificar é, em muitas passagens, atribuído ao sangue de Cristo (1 Jo 1.7; Hb 1.3; Ap 1.5). Esse sangue, aspergido sobre nós, purifica nossa consciência de “de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo” (Hb 9.14). Isto é o que almejamos, o que buscamos: que nossa consciência seja purificada de obras mortas, para que estas sejam extirpadas, destruídas e não tenham mais lugar em nós. Isso será realizado pela morte de Cristo, na qual há virtude para cumprir esse propósito.

De fato, todos os suprimentos do Espírito, todas as comunicações de graça e poder procedem da morte de Cristo... Por isso, o apóstolo pergunta: “Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Rm 6.2). Mortos para o pecado por confissão; mortos para o pecado por dever de sermos assim; mortos para o pecado por participação na virtude e poder capaz de matá-lo; mortos para o pecado por união  e interesse em Cristo, no qual e pelo qual o pecado é morto – como vivermos no pecado?... “Porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?” (Rm 6.3). Temos no batismo uma evidência de nossa implantação em Cristo; somos batizados nele. Mas, em que benefício de Cristo somos batizados? “Em sua morte”, disse o apóstolo. Se somos batizados em Cristo, além da mera confissão exterior, somos batizados em sua morte. A explicação disso, de sermos batizados em Cristo, o apóstolo nos dá: “Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Rm 6.4)... A intenção do apóstolo era esta: Cristo, por sua morte – destruindo as obras do Diabo e obtendo o Espírito para nós – aniquilou de tal modo o pecado, quanto ao seu reino no crente, que o pecado não conseguirá seus objetivos e não exercerá seu domínio.

Segundo, exerça a fé na morte de Cristo, considerando estes dois conceitos: primeiro, em expectativa de poder; segundo, em esforços por conformidade... Permita que a fé olhe para Cristo no evangelho, que o apresenta crucificado e morto por nós. Olhe para ele carregando o fardo de nosso pecado, orando, sangrando, morrendo; pela fé, traga-o nessa condição ao seu coração. Faça isso diariamente.

John Owen (1616-1683): teólogo, pregador, erudito e autor de diversos e volumosos tratados e livros teológicos. Conhecido como “O Príncipe dos Puritanos”, era congregacionalista  e exerceu um papel de destaque na elaboração da Declaração de Savóia. Nascido em Oxfordshire, na Inglaterra, recebeu seu treinamento acadêmico pela universidade Oxford, da qual veio a tornar-se o vice-reitor. Era casado com Mary Rooke, com quem teve 11 filhos.

Traduzido por: Wellington Ferreira
Copyright© Editora FIEL 2011

Traduzido do original em inglês: Directions for Mortification, extraído de “The Mortification of Sin in Believers”, da obra “Works of John Owen, Vol. 6”, reimpressa por The Banner of Truth.

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